“Lilia Ferreira Lobo, amiga, companheira, psicóloga, historiadora e genealogista, apresenta neste livro, de forma singular e inventiva, uma genealogia da instituição ‘deficiência’ no Brasil, partindo da pobreza e da escravidão. Trabalhando paciente e meticulosamente, ela nos faz conhecer ‘existências infames’, aquelas vidas ‘obscuras como milhões de outras que desapareceram e desaparecerão no tempo sem deixar rastro’. Lilia busca e ilumina algumas dessas vidas ao pesquisar acontecimentos que têm como protagonistas esses ‘monstros e degenerados’, ao nos trazer os tribunais da Inquisição e da eugenia, ao nos impactar com as narrativas desses corpos cativos e assujeitados.
Viajamos com ela pela história do Brasil, desde o descobrimento, passando pela Colônia, pelo Império e pela República. Não como uma história evolutiva ou como uma pesquisa das origens em que há a preocupação de desvelar uma identidade primeira na qual estaria o lugar da verdade; a autora usa a história para conjurar a quimera da origem e afirmar as dispersões, os acidentes, os pequenos desvios e rupturas, a heterogeneidade, a entrada em cena das forças, o salto pelo qual elas passam dos bastidores para o teatro, cada uma com seu vigor e sua juventude. Aqui há uma história genealógica, não teleológica ou racionalista, em que os acontecimentos singulares se afirmam e nos invadem – acontecimentos como ‘o índio, o monstro canibal’, ‘o idiota, o monstro completo’, ‘os monstros das feiras, os infames da ciência’ e ‘o operário higienizado’, entre outros.
Esta obra é indispensável para qualquer profissional que queira pensar a produção dos pobres, escravos e deficientes no Brasil. Lilia Ferreira Lobo afirma, em sua pesquisa, o lugar de onde olha, o momento em que está, o partido que toma – ‘o incontrolável de sua paixão’. Como o poeta Manoel de Barros, de Lilia se poderia dizer: ‘Sou um sujeito cheio de recantos, / Os desvãos me constam. / Tem hora leio avencas. / Tem hora, Proust. / Ouço aves e beethovens. / Gosto de Bola-Sete e Charles Chaplin. / O dia vai morrer aberto em mim.’”
(Cecília Coimbra, professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais [RJ])
Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil
Lilia Ferreira Lobo
2ª edição, 1ª reimpressão
ISBN: 978 85 83160 33 5
Código de barras: 9 788583 160335
Formato: 12,6×21cm
Número de páginas: 464
Peso: 430g
Ano: 2015
Magali Gouveia Engel
PrefácioApresentação
Problematização genealógica da deficiência
Passos e descompassos da pesquisa1. Monstros e degenerados
1.1. A terra descoberta: monstros, maravilhas e seu avesso
1.2. O índio: monstro canibal
1.3. Monstros: do mundo das similitudes ao das representações
1.4. A biologia dos monstros: degenerescência da espécie
1.4.1. Hereditariedade e monstruosidade
1.4.2. Morel e a degenerescência da espécie
1.5. Espelhos da alma: os estigmas da degenerescência
1.6. O idiota: monstro completo
1.7. Surdo-mudo: forma teratológica parcial
1.8. Monstros famosos das feiras, monstros infames da ciência2. Os tribunais: Inquisição e eugenia
2.1. Da inquisição moderna à medicina social
2.2. A peste e o poeta: a história de Brites Fernandes de Camaragibe
2.3. Brites: personagem do controle inquisitorial
2.4. Mentecaptos, cegos e surdos: outros casos inquisitoriais
2.5. A Inquisição e a colônia
2.6. Confissão: sexo anormal dos anormais
2.7. Movimento eugênico: tribunal de todos os desvios
2.7.1. Utopia eugênica: em defesa da espécie e da ordem social
2.7.2. Medidas regeneradoras: proibição de casamentos, esterilização e extermínio
2.7.3. Medidas profiláticas: prevenção e educação
2.8. Retrato da tristeza brasileira: o doente cantor da misericórdia3. Corpo cativo e corpo assujeitado: as marcas da deficiência
3.1. Os fantasmas reais da escravidão
3.2. Corpo cativo e seus destinos: apresamento, viagem e exposição nos mercados
3.3. Escravos, escravizáveis e fardos sociais
3.4. Pau, pão e pano: a escrita no corpo
3.4.1. Os três “p’s”: mortalidade, suicídios e doenças
3.4.2. Pão e pano: alojamento, vestimenta e alimentação
3.4.3. Pau: as marcas da escrita no corpo
3.5. Corpo cativo: saberes, rebeldias e resistências
3.5.1. Rebeldias e rebeliões
3.5.2. Outras resistências: vida comunitária, família e redes de solidariedade
3.6. Corpo descartável e trabalho industrial
3.6.1. Divisão de trabalho: do canavial às funções especializadas da fábrica do engenho
3.6.2. As mutilações do trabalho: Teresa de Cabinda, a rainha escrava do Engenho de Sebiró
3.6.3. Trabalho escravo: deformidades e doenças
3.6.4. Escravo: o corpo descartável do poder médico
3.7. As teorias do racismo: domesticação e disciplina
3.7.1. Estatuto da pureza de sangue e a exclusão do gentio
3.7.2. A emergência da noção de raça: o racismo científico
3.7.3. Conde Gobineau no Brasil
3.7.4. Imagens leigas do negro e saberes competentes: o darwinismo social de Nina Rodrigues
3.7.5. O negro: objeto da ciência de Henrique de Brito Belford Roxo
3.7.6. Miscigenação, consanguinidade e embranquecimento
3.7.7. O elogio ao mestiço: um racismo à brasileira
3.7.8. Racismo: domesticação do negro, disciplina para o imigrante
3.8. Do trabalhador livre ao operário higienizado: corpo deficiente e fardo social
3.8.1. Formas de trabalho assalariado e o trabalhador indígena
3.8.2. Desclassificados, desocupados e vadios
3.8.3. As classes perigosas: naturalização do perigo social na pobreza
3.8.4. Corpos úteis e corpos inúteis: eficiência e deficiência4. A exclusão colonial
4.1. A terra descoberta: reino da exclusão
4.1.1. Marranos no reino da exclusão
4.1.2. O grande internamento sem muros: purgatório dos brancos, ergástulo dos delinquentes
4.1.3. Novos contornos da exclusão: caridade e pobreza
4.1.4. O jogo complementar entre exclusão e inclusão
4.2. Urgências do controle sobre a colônia: os instrumentos da caridade
4.2.1. Vilas coloniais: cenário do movimento da caridade
4.2.2. Doentes, defeituosos e vadios: os males da miséria na colônia
4.2.3. As Misericórdias: instrumento de controle da colônia
4.2.4. Irmandades de ajuda mútua
4.3. Novas vigilâncias: a aliança médico-filantrópica
4.3.1. Desordem social e segurança das cidades
4.3.2. Família e normalização da infância
4.3.3. Limpeza urbana e repressão
4.3.4. O hospital: apropriação do corpo doente pelo poder médico
4.3.5. Filantropia e racionalidade empresarial: o controle da miséria5. A inclusão institucional
5.1. A higienização da criança pobre: prevenir fardos e perigos sociais
5.2. “Assistência mal praticada e caridade irrefletida”: a naturalização da pobreza
5.3. Biopoder e controle censitário para os corpos irrecuperáveis ao trabalho
5.4. Institucionalizações da psiquiatria e os discursos médico-pedagógicos: a criança anormal
5.4.1. A inclusão do idiota nas “diversas espécies de alienados”: distinções e assimilações
5.4.2. O idiota, modelo de monstruosidade moral: natureza e civilização
5.4.3. A loucura moral e a assimilação do idiota ao louco: os tipos intermediários
5.4.4. A educabilidade do idiota
5.4.5. Infância e loucura
5.4.6. A psiquiatrização da infância e as noções de instinto e desenvolvimento
5.4.7. O início do século XX e a expansão da psiquiatria: nasce a criança anormal
5.4.8. Do perigo ao fardo social
5.5. Dispositivos institucionais: os primeiros estabelecimentos especializados
5.5.1. As separações institucionais: loucos e idiotas no hospício
5.5.2. Pavilhão-Escola Bourneville para Crianças Anormais: primeiro pavilhão de crianças do Hospício Nacional
5.5.3. Estabelecimentos especializados para cegos e para surdos-mudosConsiderações finais
Referências